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Aluno de escola pública de 16 anos passa direto em medicina na Unicamp

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Thiago Varella

Colaboração para o UOL, em Campinas (SP)

17/02/2016 12h32Atualizada em 17/02/2016 15h36

Pouco mais de 6 km separam a Escola Estadual Professor Adalberto Prado e Silva e a Unicamp, em Campinas (SP). Ambas são instituições de ensino públicas geridas pelo governo paulista. Mesmo assim, com tanto em comum, um abismo separava as duas. Até pouco tempo atrás, um aluno do ensino médio de uma nem sonhava em cursar qualquer coisa na outra.

Vitor Santana Costa, 16, quer mostrar que não é bem assim. Mesmo tão jovem - o estudante pulou a 1ª série do ensino fundamental -, ele é um dos 97 estudantes oriundos de escolas públicas aprovados no curso de medicina da Unicamp neste ano. Sim, o jovem cursou todo o ensino médio na Escola Estadual Professor Adalberto Prado e Silva, na vila Costa e Silva, em Campinas, e agora é um calouro em um dos melhores cursos de medicina do país.

Quem olha a estrutura da escola, não entende como isso pode ter acontecido. A Professor Adalberto Prado e Silva é simples, com carteiras antigas, lousa descascada. No entanto, segundo Vitor, o diferencial é outro.

"Os professores fazem a diferença. Eles incentivam os alunos a estudar. Os professores não ficaram acomodados com a falta de qualidade do ensino público. Eles lutaram para poder dar o melhor de si e conseguem influenciar a vida dos jovens", diz.

Um deles, em especial, foi o motivador de Vitor. O professor Edison Lins, de português, também trabalha na Unicamp e sempre incentivou os alunos da escola pública a tentarem ingressar na universidade que fica em um bairro vizinho.

"Com o professor Edison saímos da escola para ver o mundo. Por exemplo, visitamos uma exposição do Picasso. O aluno nas escolas normais passa o tempo todo dentro da escola. E existe vida fora dela.", conta Vitor.

Incentivo dos professores e confiança em si mesmo

Por influência do professor, entre o 2º e o 3º ano do ensino médio, o jovem foi fazer um curso de férias na Unicamp e conheceu o cotidiano do curso de engenharia civil. Ali, andando pelo campus da Unicamp, decidiu que, por mais que tivesse facilidade em matemática, que iria cursar algo na área de saúde.

Por isso, em 2015, todo o foco de Vitor estava voltado para a Unicamp. A universidade era perfeita. Além de ter um excelente curso de medicina, era gratuita e ficava a pouco mais de 5 minutos de distância de ônibus da sua casa.

O fato de o vestibular ser um dos mais concorridos do Brasil, por mais incrível que possa parecer, não afetou em nada a determinação do estudante.

"Eu fiz um cronograma com cada tópico de cada matéria. Estudava quatro horas por dia, mas nunca fui muito regulado com isso. Estudava o tanto que me sentia confortável. É preciso saber seus limites. Eu sabia que também precisava ter uma boa noite de sono", explica.

Depois das férias de julho, Vitor conseguiu bolsa integral em um cursinho da cidade (Objetivo). Ele frequentou três meses de aula regular e mais dois de revisão. Mas, se engana quem pensa que foi só aí que ele de fato aprendeu o que precisava para passar no vestibular.

"No cursinho, vi que meu conhecimento não era discrepante. Era praticamente a mesma coisa. Acho que o aluno de escola pública sai ganhando porque tem o ambiente mais aberto. Você pode sair mais do roteiro. Na particular, tudo tem uma programação", afirmou.

Vitor, inclusive, já tem discurso certo para quem critica o ensino público. "O aluno é quem faz a escola. Muita gente reclama e ninguém faz nada para melhor. Ninguém propõe soluções. Quando a gente dialogava na escola, a gente apontava os problemas", afirmou.

Criado pelos tios

Não faz muito tempo que Vitor se mudou para Campinas. Ele, seus tios e três primos vieram da Bahia em 2013, em busca de mais oportunidades. Desde pequeno, o estudante mora com a tia e o tio, já que a mãe sofre de depressão e não pode criá-lo.

Nascido na pequena Ribeira do Pombal, Vitor também morou em Camaçari antes de se mudar para Campinas. E foi na casa dos tios que começou a tomar gosto por estudar. Sua tia é professora por formação e o alfabetizou ainda criança. Por causa disso, acabou fazendo uma prova quando tinha seis anos e pulou a 1ª série do ensino fundamental.

Hoje em dia, em Campinas, seus tios fazem o que podem para criar a família.

"Minha tia trabalha numa pizzaria e meu tio num callcenter de noite e de dia em um grande supermercado. Eles estão bem emocionados. Viram que o que fizeram por mim trouxe resultado", diz o futuro médico.

Neste ano, mais da metade (51,9%) dos estudantes aprovados no vestibular da Unicamp cursaram o ensino médio em escolas públicas. A universidade criou uma bonificação, até então inédita, para as provas da primeira fase: concedeu 60 pontos para estudantes do sistema público e mais 20 pontos para estudantes do sistema público autodeclarados  pretos, pardos ou indígenas (PPI). Já na segunda fase, as bonificações passaram a ser de 90 pontos para egressos do ensino médio público e de 30 pontos para egressos de escolas públicas autodeclaradosPPIs